segunda-feira, 24 de agosto de 2015

NILDA NEVES, uma fabula bahiana texto miguel paladino/curador residente


Que o realismo fantástico deve seu sucesso ao fato de ser a realidade mais fantástica que a ficção (foi o que disse um escritor do “boom” literário sobre garcia marquez) explica ou pode explicar a fabulosa pintura de nilda neves transpassada em todas as direções pelas descabeladas e estrambóticas estórias dos habitantes (ou deveriamos dizer sobreviventes?) da caatinga em botuporã, no sertão da bahia, sua terra natal.

No salão Cabelo & Arte, um pequeno cômodo (um tanto incômodo) nas proximidades do largo da batata convivem desajeitadamente poltronas, espelhos e pirâmides de esmaltes de unhas, com tintas e telas, os mundos ou os remanescentes dos mundos de uma cabeleireira (já desistindo do ofício) e de uma artista vulcânica e visceral (surpresa pelo resultado de seu próprio trabalho) que não consegue parar de pintar.

O saldo desse fervor ou como ela reconhece de “estar sempre com o frenesi no couro” é uma coleção de pinturas que cobre todas as paredes do salão e incontáveis telas enroladas em sacos de plástico de onde surgem 20 ou 30 reminiscências da caatinga em forma de

estórias, desenhos, pinturas e algumas esculturas, além de um violão com o qual se distrai e chora ao ouvir seu amigo fabio teixeira entoando uma canção que ele fez a partir de um poema dela (um cantinho pra chamar de felicidade... diz o refrão na bela voz do fabio e nilda desaba num pranto incontrolável).

A freguesia é variada, tanto nos interesses como nos tipos sociais, já que o salão é procurado pelas prostitutas que trabalham nas casas noturnas dos arredores (passarela e charmosa, com taxa única de 40 reais e direito a privezão) e também por galeristas, marchands e críticos de arte fascinados com o universo pictórico de Nilda, sua simpatia desbordante e uma baianice que não merma apesar dos avatares da vida paulistana, contas a pagar, canos entupidos, falta de água...

Esse cruzamento improvável de pessoas atraídas pelas artes de nilda (a pintora e a coiffeur, a poeta e a contadora de causos) transformam o pequeno salão (naquele “pelourinho” paulistano), numa realidade tão fantástica quanto o vasto sertão de suas origens. Devem ser essas paragens povoadas de barrigudas, mandacarus e gravatás o que seu olhar ausente observa quando, muitas vezes, no meio da conversa, nilda deixa de responder.