sexta-feira, 15 de junho de 2012

Layus, Roberval (Junho de 2012)

O currículo tem que ser curto
Mesmo que a vida seja longa
Wislawa Szymborska

Conheci o Layus, Roberval, na década de oitenta, chegando numa festa com uma garrafa de vinho no bolso do casaco. Naquela época tudo era fervoroso, um pouco alucinante e pleno de esperanças. Acreditávamos tanto na revolução, o amor se dizia livre, éramos felizes e o sabíamos. Nesse redemoinho de sexo drogas e rock n´roll destacava-se algo estático, persistente, de uma solidez inusitada: eram as portas e as esculturas que o Rô (assim o chamamos desde sempre) entalhava no seu atelier. Nem tudo que era sólido desmanchava no ar. A arte consistia, aparentemente, em retirar partes daqueles blocos, tanto de madeira como de gesso, e imprimi-los de uma forma harmônica, avivá-los daquela matéria bruta e conceder-lhes um anima que resultava, precisamente, da ausência daquelas partes que ele retirara

O que aqui vemos exposto é resultado de mais de trinta anos deste ofício de escultor; o entalhe da madeira em pequenos modelos (que aqui não aparecem) dos quais resultam os múltiplos, fundidos à cera perdida ou maciços, a pátina como um recurso pictórico acrescido ao polimento, combatendo-o, e sobre tudo a persistência da abstração concreta, da figura humana sugerida, alimentada por esse vazio onde parece encontrar sua alma.

Agrega-se a este conjunto, como uma conseqüência que parece inevitável, uma série de dezenove pinturas. Vistas aéreas de plantações imaginárias ou construções utópicas que contem os retalhos da cera, do bronze e do alumínio, as lascas do cedro e da caxeta que o despreocupado pincel imita e traça meticuloso, uma geometria orgânica onde reina o evidente prazer da pintura, o equilíbrio expressivo, a cor e a forma em estados quase puros: matéria da qual nascem estas construções pictóricas. Numerá-las como identificação supõe uma seqüência que pode ser infinita e as coloca num nível de desbordante criação artística semelhante àquela na qual acreditávamos na noite da garrafa de vinho no bolso do casaco.

A instalação que  Bruno Layus imaginou para o estreito corredor de La mínima coloca frente a frente estas obras e submete o visitante a uma visão estereofônica onde o rigor das pátinas reverbera em brilhos e lampejos coloridos que as esculturas emprestam dos guaches. Tudo parece, assim, fazer sentido, realizar a utopia sonhada pelo layus, Roberval, diariamente executada: sem fatigar o espírito, a goiva substitui o pincel, o formão ocupa o lugar do grafite, o bloco de cedro é uma página em branco que deve ser riscada, um mapa imaginário cujos múltiplos caminhos levam sempre ao centro do nosso coração, absorto e emocionado.